Juízes do TJ-BA receberão gratificação de um terço do salário por acervo processual

Por Cláudia Cardozo

Foto: Max Haack / Ag. Haack / Bahia Notícias

O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) aprovou o pagamento do auxílio-acervo a juízes de 1º Grau no valor de um terço do salário base da magistratura. O pedido foi feito pela Associação dos Magistrados da Bahia (Amab) para modificar a natureza jurídica da verba de gratificação por acúmulo de acervo processual para remuneratório. Antes, o valor previsto era 10% do subsídio. O texto foi aprovado à unanimidade, mas não sem antes haver um debate entre os desembargadores sobre os critérios para o pagamento.
O pedido leva em consideração a recomendação 75/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em maio de 2021, o TJ-BA instituiu a gratificação. O CNJ acolheu o pedido de providências da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para autorizar os tribunais a estabelecerem as diretrizes e os critérios para implementação da verba, parametrizando o valor da compensação com natureza remuneratória em um terço do subsídio do magistrado. Após a autorização do CNJ, a Amab fez o requerimento ao TJ-BA em razão do acúmulo de acervo processual.
Após a leitura do relatório pela desembargadora Ivone Bessa, o desembargador Julio Travessa afirmou que o texto poderia ter sido um “cavalo de Tróia” para os desembargadores, se não houvesse ocorrido a observação do desembargador Pedro Guerra, de que os colegas de toga pudessem ser prejudicados com a medida. É que, ao tornar a verba com caráter remuneratório, os desembargadores poderiam sofrer uma perda anual de até R $ 1.100.
Apesar de louvar a proposta, o desembargador afirmou que o texto não atende às necessidades dos juízes de 1º Grau, principalmente os que atuam na área criminal, do júri, infância e juventude, por exemplo. Ele criticou os critérios, por impedir que muitos magistrados recebessem o pagamento. Os critérios definem a quantidade de processos que cada unidade deve ter para fazer jus ao recebimento da gratificação. “Um juiz fazer 30 júris no mês é um trabalho extremamente hercúleo, ele seria considerado um herói, um um examinador excepcional, mas esse julgador não teria direito ao auxílio-acervo, mesmo que na sua vara tivesse um número excessivo de processo”, avaliou.
Travessa afirma que sua proposta é para permitir que os magistrados sejam tratados de forma homogênea. “Ou seja, para evitar que uns recebam auxílio-acervo e outros não, para que seja efetuada homogeneamente a equiparação entre juízes e juízas dentro das atividades exercidas e, é claro, levando-se em consideração o grau de complexidade de cada unidade jurisdicional”, explicou.
Os critérios estabelecidos versam que receberá o auxílio o juiz que receber distribuição de processos igual ou superior a 600 feitos por ano em vara criminal ou de entrância inicial, ou 800 feitos anuais nas demais competências. Os números serão apurados pela Secretaria de Planejamento do TJ-BA, considerando a distribuição realizada no ano anterior. “A impressão que eu tenho é que quem construiu isso aqui nunca atuou na área criminal e nunca foi juiz do tribunal do júri. Não sabem o volume, a complexidade, o esforço que o magistrado tem para preparar um júri e o dia ou dias para participar de uma sessão do tribunal do júri, porque eu já assisti júris, eu já participei de júris que demoraram dois, três, quatro dias”, declarou.
Ele apresentou exemplos de outros tribunais do porte do TJ-BA, que exigem menos processos para pagar a verba aos magistrados. “No TJ do Paraná são 200 feitos criminais e 400 cíveis, menos da metade dos feitos da Bahia. Em Alagoas, é de 500. No Pará, são 300 civis, 100 criminal e 200 jurisdição mista”, explanou. “Os processos do Tribunal de Justiça da Bahia valem menos do que no Pará, Paraná ou de Alagoas. Será que vale menos? Será que a complexidade dos crimes, os homicídios, dos tribunais do júri, os a as execuções penais, e os crimes praticados, às infrações praticadas por adolescentes, será que são mais complexos do que no estado da Bahia?”, questionou.
O desembargador ainda destacou que, de todos os tribunais do país, o da Bahia é o que mais faz restrições aos juízes. “Qual a razão então da exigência de tais números aos magistrados baianos? Por que precisam receber 100% a mais de processos do que o restante do país se consabido não tem a mesma do Brasil? Por que somente na Bahia coloca-se quantidade de processos tão hiperbólica para conferir a gratificação? Se o número foi balizado somente a partir dos dados estatísticos do passado, assenta-se mais um erro porque é obviedade ululante que se havia insuficiência no número de unidades jurisdicionais”, reclamou no plenário. O desembargador também questionou a diferenciação de instância e não por complexidade da unidade. “Por vezes o óbvio precisa ser dito. Então que seja: uma vara do júri é diferente de uma vara do juizado especial criminal?”, indagou.
Na área da infância, exemplificou Travessa, os juízes das unidades “possuem a obrigação de visitar abrigos, estar em contato direto com a rede de proteção aos infantes e adolescentes e realizar audiências". “Então pergunta-se qual juiz da infância e juventude não tem excesso de acervo com demanda superior a 300 processos no ano. Eu respondo, mesmo não tendo atuado nas varas da infância - atuei em substituição na época do Ministério Público: nenhum. Nenhum juízo da infância consegue não ter esse acervo”, comparou. Para Travessa, os parâmetros deveriam ser os seguintes: 300 processos na área cível, 100 da área criminal e 200 das áreas mistas.
A relatora, Ivone Bessa, afirmou que os critérios foram estabelecidos com a participação da Amab e que a sugestão do desembargador foi apresentada fora do tempo para alterar a resolução. A presidente da Amab, Nartir Weber, por sua vez, destacou que a retirada dos desembargadores do texto foi pedido pela própria entidade, por perceber que representaria um prejuízo financeiro. Tal pedido foi feito no dia 30 de agosto para a relatora da proposta. A representante dos magistrados asseverou que, neste momento, a ideia é avançar com este projeto, pois a questão do acervo alcança mais de 80% dos magistrados que estão sem receber a gratificação e que, posteriormente a sua aprovação, ingressará com o pedido de modificação dos critérios para reduzir o número dos processos. Nartir pontuou que a aplicação dessa gratificação necessita de cuidados, pois tem conhecimento de reclamações do Tribunal de Contas sobre o pagamento do vencimento sem “nenhuma contraprestação”. Na sessão, ela leu o trecho da petição que já estaria pronta para ser encaminhada ao TJ-BA após a aprovação da resolução. A Amab ainda sugeriu que pode ser criado um critério de pontuação para cada ato para calcular o pagamento da gratificação.
O desembargador Pedro Guerra asseverou que a proposta feita por Travessa precisa de um estudo técnico de impacto financeiro para tramitar, pois há determinação do CNJ de que toda verba a ser paga tenha estudo prévio e seja validada. “O que está sendo aprovado aqui hoje vai ao CNJ, o CNJ tem que dar ‘o de acordo’”, reforçou.
Após as exposições, o presidente do TJ-BA, desembargador Nilson Castelo Branco, pediu, “com toda humildade”, que o desembargador Julio Travessa se limitasse a aprovar o texto como relatado e que, posteriormente, desse encaminhamento aos critérios sugeridos. “Isso seria bom para os magistrados, sem prejuízo, sem embargo, de todas essas matérias virtuosamente apresentadas por vossa excelência”. Ao fim, Travessa acatou a sugestão e retirou as ponderações para aprovar o texto relatado por Ivone Bessa.
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