Vivemos a era das relações líquidas, um conceito popularizado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que descreve a fragilidade e a fluidez dos vínculos afetivos na modernidade. Em um mundo cada vez mais acelerado, imediatista e digital, as conexões humanas têm se tornado menos profundas, menos duradouras e, muitas vezes, descartáveis. Mas afinal, por que ninguém parece querer mais se apegar?
O medo do sofrimento
A primeira resposta talvez seja a mais óbvia: o medo. Muita gente tem medo de se apegar porque já sofreu demais. Em um cenário de traições, abandonos, relacionamentos tóxicos e promessas não cumpridas, o amor passou a ser visto como um risco emocional. Assim, muitos preferem manter uma certa distância afetiva como forma de autoproteção. Não se apegar virou sinônimo de controle. E controlar, nesse caso, é uma tentativa de evitar a dor.
A cultura do descarte
Os aplicativos de namoro contribuíram significativamente para a cultura do “next”. Basta um deslizar de dedo para trocar de parceiro, como quem muda de canal na TV. Isso criou um senso de abundância ilusória: sempre há alguém mais bonito, mais interessante, mais disponível — ao menos na aparência. O problema é que, ao tratar pessoas como produtos, perdemos a capacidade de construir vínculos reais. Nos acostumamos com conexões superficiais, onde o mais fácil é desistir do que consertar.
A valorização da liberdade
Outro fator que influencia o desapego é o culto à liberdade individual. Em tempos em que a independência emocional é exaltada, qualquer sentimento mais profundo pode ser interpretado como uma ameaça à autonomia. “Relacionamento é prisão”, “ficar com uma pessoa só é abrir mão de todas as outras possibilidades”, “o amor me limita”: essas crenças, que ecoam com força nas redes sociais, reforçam a ideia de que se apegar é se perder de si mesmo.
A ilusão do amor perfeito
A idealização também tem um papel importante. Muitos evitam se apegar porque esperam por algo que não existe: o relacionamento perfeito. Ao menor sinal de conflito ou desconforto, pulam fora. Não há tolerância ao erro, ao tédio ou à vulnerabilidade. O imediatismo moldou até a forma como amamos. Se não for intenso o tempo todo, perde o valor. Se não der certo de cara, é porque não era para ser. Com isso, deixamos de construir relações reais para buscar fantasias.
A superficialidade emocional
A conexão emocional exige esforço, paciência, comunicação e coragem. Mas a sociedade contemporânea valoriza o prazer instantâneo, a distração constante, os estímulos rápidos. Muitos preferem relacionamentos onde não precisam se mostrar de verdade, nem mergulhar fundo. O problema é que vínculos rasos não sustentam afeto duradouro. E sem profundidade, o apego nunca nasce.
A culpa da geração?
Alguns apontam os dedos para os jovens, alegando que a “geração Z” não sabe amar. Mas isso é uma simplificação injusta. A verdade é que vivemos uma transformação social profunda, onde o mundo digital, o individualismo e a velocidade das coisas mudaram radicalmente o modo como nos relacionamos. Os valores são outros. Os tempos são outros. E o amor, para muitos, ainda está tentando se adaptar.
Existe solução?
A solução não é voltar ao passado, mas aprender a construir algo mais sólido em meio à fluidez. Isso exige autorresponsabilidade, inteligência emocional e disposição para lidar com a vulnerabilidade. É preciso coragem para se abrir, para permanecer, para conversar — mesmo quando dá medo. bellacia
Apegar-se, no fim das contas, não é uma fraqueza. É um ato de entrega. E talvez seja justamente o que mais falta hoje: entrega real, com presença, com intenção, com cuidado.
Se ninguém mais quer se apegar, talvez seja porque ainda estamos aprendendo a amar de verdade em um mundo que nos ensinou a evitar qualquer coisa que machuque. Mas o amor, para acontecer de forma autêntica, sempre vai implicar risco. A diferença está em quem está disposto a correr esse risco — e quem vai passar a vida inteira fugindo dele.
Fonte: Izabelly Mendes
