Desaceleração da dengue é tímida e pode ser resultado de atrasos na notificação

Por Geovana Oliveira e Vitor Arthur | Folhapress

Foto: Reprodução / Pixabay

O Brasil superou, em menos de três meses deste ano, o total de casos de dengue registrados em todo o ano de 2023 (1,6 milhão). Há uma semana, porém, o Ministério da Saúde declarou que começava a notar uma desaceleração na curva de infecções. Os dados consolidados da própria pasta ainda não dão segurança à afirmação.
As informações que têm sido divulgadas não apontam queda no período de números mais confiáveis, que é de pelo menos duas semanas antes, diz o pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Claudio Maierovitch.
Dados do Ministério da Saúde analisados pela reportagem mostram uma queda na média móvel de casos prováveis nas últimas semanas, mas, quando elas são descartadas, não é possível observar diminuição significativa.
Segundo especialistas, a desaceleração verificada nas últimas semanas advém provavelmente do atraso nas notificações de casos. "É possível, porque isso acontece, que estados com epidemia muito intensa tenham, além de insuficiência de leitos e profissionais de assistência, também dificuldade para digitar as fichas de notificação", diz Maierovicth.
"Tem um atraso no que é reportado. Então, essa queda pode ser uma queda artificial, porque os dados não estão completos. É a mesma coisa da Covid", diz Márcia Castro, professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard. A pesquisadora afirma que ainda é cedo para falar de desaceleração.
Maierovicth diz acreditar que "continuaremos a ter uma grande epidemia por pelo menos mais dois meses".
O alto número de casos é mantido por causa da grande quantidade de mosquitos Aedes aegypti e de pessoas que ainda não tiveram contato com o vírus que circula em cada região, segundo o pesquisador Oswaldo Gonçalves Cruz, um dos coordenadores da InfoDengue -plataforma da Fiocruz que reúne dados da doença e outras arboviroses.
A população de mosquitos que transmite a doença é influenciada por fatores climáticos, diz, que estão favoráveis à sua multiplicação na maior parte do país -como calor e chuva.
De acordo com o levantamento feito pela reportagem, os estados que poderiam apresentar desaceleração nas últimas duas semanas seriam Minas Gerais e Rio de Janeiro, além do Distrito Federal. Nos outros estados, é visto um aumento acelerado dos casos. Isso pode ser observado principalmente nas regiões Nordeste e Sul.
Cruz ressalta ainda que em Minas Gerais, além de casos de dengue, há casos de chikungunya -o que aumenta o número de casos de arboviroses na região.
O ano de 2024 já é o primeiro pior da série histórica em casos de dengue no país (1,8 milhão). Antes, o ano com maior número de casos foi 2015, quando a pasta da Saúde registrou 1.688.688 casos prováveis da doença.
Apesar de uma alta taxa de transmissão, a pasta diz que a letalidade da doença neste ano é menor do que em 2023, quando foram registrados 1.094 óbitos por dengue ao longo de todo o ano, o pior número da história. Em 2024, são 513 mortes confirmadas até o momento.
O ministério, porém, usa informações que ainda não estão consolidadas para a comparação. Para os especialistas, isso seria um erro tendo em vista que mais da metade dos óbitos estão em investigação.
Conforme os números do Ministério da Saúde, a quantidade de óbitos em investigação (1.020) é 1,8 vezes a de óbitos confirmados (561). Com isso, o número real de óbitos pode ser quase o triplo do registrado até o momento.
"O número de casos e óbitos sem confirmação de diagnóstico ainda é muito grande. E as condições que favorecem a transmissão prosseguem. Nesta semana, por exemplo, há uma onda de calor nos estados mais afetados. As chuvas persistem", diz Maierovicth.
Os gráficos da média móvel da dengue mostram também que outros períodos de queda no registro dos casos da doença foram sucedidos por alta nos números, como aconteceu entre os dias 11 e 18 de fevereiro.
A reportagem considerou o período de 31 de dezembro a 1º de março para realizar os cálculos. Os dados do Espírito Santo, entretanto, não foram contabilizados, uma vez que não estavam disponíveis na base de dados do Ministério da Saúde.
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