Inovação tecnológica não é sinônimo de progresso social, diz socióloga Ruha Benjamin

Foto: Agência Brasil

“A lógica de mercado da inovação tecnológica não é sinônimo de progresso social. A tecnologia pode muito bem refletir e reproduzir as desigualdades sociais.”
Com essa fala, Ruha Benjamin, professora da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, abriu o evento “Mulheres, Raça e Tecnologia”, do IEA USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo), na terça-feira (12).
O debate reuniu Benjamin e a escritora Conceição Evaristo para abordar discriminação de gênero, raça e classe na área de tecnologia.
Benjamin se baseou numa frase da escritora americana Toni Cade Bambara -“nem toda velocidade é movimento [not all speed is movement]”- para argumentar que progresso tecnológico não significa melhoria direta nas vidas das pessoas.
Como exemplo disso, a professora cita os robôs usados para patrulhar a fronteira dos Estados Unidos com o México e o uso de documentos digitais para discriminar cidadãos na República Dominicana.
Para a socióloga, o poder das tecnologias baseia-se na ideia falsa de que elas seriam menos imparciais e mais humanitárias quando comparadas, por exemplo, aos agentes de fronteira tradicionais.
A inovação, na verdade, emprega novas ferramentas para vigiar pessoas inocentes e define com melhor exatidão onde as pessoas deveriam pertencer ou não, afirmou.
“Nós não devemos perder de vista o fato de que não é só a tecnologia que é opressora, mas também o ambiente em que ela é desenvolvida”, disse Benjamin.
Conceição Evaristo trouxe a discussão para o contexto brasileiro e disse que a população negra do país se apropriou tardiamente da educação, o que se reflete no atual acesso à tecnologia.
“Antes de pensar como protagonistas ou vítimas da tecnologia, é preciso pensar um outro aspecto da história. Pensar a tecnologia hoje, no campo brasileiro, sem nos voltarmos ao processo histórico é queimar etapas”, afirmou a escritora.
Evaristo retoma a história do acesso à educação para pessoas negras no Brasil, da Constituição de 1824 à Lei de Cotas, de 2006, para dizer que é impossível que a tecnologia seja democrática se o ponto de partida dela não foi.
“Por trás da tecnologia, tem uma mente humana. Ela não surge por geração espontânea. Ela é altamente comprometida com o capitalismo, tem que ser produtiva e trazer resultados. Em uma sociedade em que os inventores, os cientistas, têm um imaginário já construído negativamente em relação ao preto e ao pobre, essas invenções estão contaminadas com isso. Não há uma inocência”, disse.
“Então, essa sociedade tecnológica já é uma sociedade programada para produzir exclusão e para perpetuar determinados status. Um jovem negro enfrenta a tecnologia e faz isso porque sabe que precisa se apossar disso.”
O evento “Mulheres, Raça e Tecnologia” foi organizado pela Cátedra Oscar Sala, parceria do IEA com o CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil) e pela Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, parceria com o Itaú Cultural.

CONCEIÇÃO EVARISTO

Autora de livros como “Ponciá Vicêncio” e “Olhos D’água”, será a próxima titular da cátedra Olavo Setúbal. Foi escolhida pelos organizadores do evento por ter uma obra literária que “dá visibilidade a olhares e histórias femininas de luta e resistência e de denúncia de desigualdades sociais, de gênero e de raça”.
RUHA BENJAMIN

É socióloga, pesquisadora e professora da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Seus estudos tratam do aspecto social da tecnologia e da ciência. É autora do livro “Race After Technology”.
Benjamin é fundadora do Ida B. Wells Just Data Lab, que reúne artistas, estudantes, educadores e ativistas e busca desenvolver uma abordagem crítica sobre produção e circulação de dados. Seu próximo livro tem previsão de lançamento para 2022.

Gustavo Soares / São Paulo, SP
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