Aids, um exemplo perfeito de desinformação científica


Foto: Reprodução

Das operações de desinformação da KGB aos falsos remédios promovidos na Internet, passando pela censura do Vaticano, a história da aids é marcada por teorias da conspiração, revividas pela epidemia de covid-19.
Em um vídeo divulgado em meados de abril, em meio à campanha Sidaction – um importante evento público francês – e visto milhares de vezes antes de ser excluído do YouTube, um internauta afirma estar dizendo a “verdade” sobre a aids e garante que se trata de “uma pandemia falsa” inventada para vender “tratamentos falsos”.
As teorias revisionistas experimentam “uma intensificação desde a epidemia de covid-19”, disse à AFP a diretora do Sidaction, Florence Thune.
Embora nos últimos 40 anos os questionamentos sobre a existência do vírus HIV ”sempre tenham existido”, eles foram revividos pelas ”redes sociais” e pela pandemia.
A associação francesa Sida Info Service compartilha a mesma observação. ”Recebemos ligações de pessoas que se perguntam sobre a origem do vírus ou acreditam que as terapias visam gerar dinheiro para os laboratórios”, explica a coordenadora médica Radia Djebbar.
“O fascinante sobre as teorias da conspiração é que elas não evoluem, apenas se espalham”, diz o professor Seth Kalichman, especialista em psicologia social da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos.
”A desinformação é congelada e não se adapta aos avanços científicos”, acrescenta. A desinformação sobre a aids é tão antiga quanto a própria doença.
Já em 1983, no auge da Guerra Fria, o KGB organizou a operação “Infektion”, com o objetivo de fazer as pessoas acreditarem que a aids foi desenvolvida em um laboratório secreto nos Estados Unidos, boato que se espalhou pelo mundo por quase 10 anos.

Não se dá tempo à ciência

A gripe espanhola ou, mais recentemente, a epidemia de H1N1 também foram acompanhadas de desinformação, lembra o sociólogo Arnaud Mercier. “É sempre o mesmo cenário. Diante do desconhecido é preciso buscar certezas e não se dá tempo à ciência”, detalha.
Isso explica porque essas teorias são muito parecidas com as que circularam sobre a covid-19.
“A cada epidemia mortal, surge a ideia de que é conveniente para alguém, e cada um vê nela o inimigo. No caso da aids, diz-se que os países ricos querem erradicar os pobres, ou que os laboratórios buscam ganhar dinheiro”, detalha Mercier.
Duramente atingida pelo vírus, a África também tem estado na vanguarda da desinformação sobre o assunto, e ao mais alto nível. As autoridades alegaram que a aids não estava relacionada ao HIV, mas à pobreza.
O ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki atrasou por anos o acesso ao tratamento antirretroviral para seus concidadãos.
Os ‘desinformadores’ também promovem remédios falsos, que eles afirmam serem muito mais eficazes do que os medicamentos ”assassinos” da “Big Pharma”, de acordo com sua retórica bem elaborada.
A naturopata Irene Grosjean garante que a aids pode ser curada com sementes, vegetais e frutas. Entre os promotores de “curas milagrosas”, o próprio Luc Montagnier, co-descobridor do HIV, afirmou que o suco de mamão fermentado poderia curar os soropositivos.
No caso da aids, a dimensão sexual da transmissão do vírus reforçou o estigma e a desinformação.
“Não esqueceremos que a doença foi chamada de ‘câncer gay’ por anos”, lembra Mercier.
Em um contexto de homofobia e repressão a certas práticas sexuais, entidades católicas contribuíram para a difusão de uma mensagem perigosa, como o papa Bento XVI, que afirmou em 2009 que a distribuição de preservativos agravava o problema da aids.
Hoje, 40 anos depois da descoberta do HIV, ”o principal problema é a falta de conhecimento sobre o vírus, principalmente entre os jovens”, afirma Djebbar.
”Alguns acreditam que se arriscaram ao beijar um colega, enquanto outros acreditam que estão imunes porque são heterossexuais”, lamenta.

© Agence France-Presse
Postagem Anterior Próxima Postagem

Leia o texto em voz alta: