Mortes por Covid caem no Brasil, mas pandemia ainda exige cuidados


Foto: Reprodução

Por Patrícia Pasquini / São Paulo, SP

A queda nas mortes por Covid-19 no Brasil observada nas últimas semanas traz esperança de que a pandemia esteja no fim, mas especialistas alertam que a doença continua matando e que é preciso manter cuidados contra o vírus, com atenção para a vacinação.
No último dia 12, a média móvel semanal de óbitos no país foi de 64 vítimas, a menor desde 6 de abril de 2020, quando a crise sanitária estava em seu primeiro mês. No dia 10, houve a menor média desde 7 de abril de 2020 (70 mortes). Os dados são do consórcio de veículos de imprensa, que contabiliza os números apresentados pelas secretarias estaduais de saúde.
A situação no país acompanha uma tendência mundial de redução de mortes e casos que levou o diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom, a declarar que nunca estivemos em posição melhor para acabar com a pandemia. “Ainda não chegamos lá, mas o fim está à vista”, disse o diretor na última quarta (14).
Adhanom destacou que é preciso manter medidas contra o Sars-CoV-2, vírus que causa a Covid-19, já que o cenário favorável oferece uma janela para combater a doença. É o que também acreditam médicos e especialistas em saúde ouvidos pela Folha.
“Existe uma correlação direta entre imunidade e casos. Quanto menos se vacina e se protege, mais o vírus circula, o que significa mais casos, mais chances de o vírus sofrer mutações e numa dessas surgir uma subvariante mais agressiva e infectante”, explica Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Em um contexto de retirada da obrigatoriedade do uso de máscaras –que em São Paulo deixaram de ser exigidas no transporte público neste mês–, o médico reforça a importância de não abandonar a proteção.
“Se você vai a um espaço fechado, sem renovação de ar e tem muita gente, é altamente recomendado o uso de máscara. Se você não for vulnerável e estiver ao ar livre e sem aglomerações no entorno, ou num ambiente com ventilação natural, com portas e janelas abertas e vacinação em dia, dá para considerar não usá-la.”
Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e diretor médico do Hospital Clementino Fraga Filho, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), também aconselha o uso da proteção em situações onde há risco de transmissão importante –locais com alta aglomeração, transporte público e ambientes pouco ventilados.
Quem são as vítimas da Covid-19 atualmente Chebabo afirma que as mortes por Covid em 2022 estão concentradas em idosos frágeis acima de 75 anos, pessoas com comorbidades, os imunossuprimidos e aqueles que não têm o esquema vacinal completo.
No Instituto de Infectologia Emílio Ribas, que é referência no tratamento da Covid-19 em São Paulo, o perfil é semelhante. Lá foram registradas 37 mortes com diagnóstico da doença neste ano –25 delas no primeiro trimestre. Do total, 28 pessoas (76%) tinham 60 anos ou mais.
“As 37 mortes foram de pacientes com comorbidades. Hoje, estão morrendo de Covid as pessoas com 60 anos ou mais, com pelo menos três comorbidades associadas e que não tomaram a quarta dose da vacina. Só três do total estavam com o esquema vacinal completo, ou seja, 92% não se vacinaram”, afirma o diretor Luiz Carlos Pereira Júnior.
Dos menores de 60 anos, nove evoluíram para óbito –todos com comorbidades importantes (como cirrose hepática, insuficiência renal, cânceres avançados). Somente um havia tomado a quarta dose.
No Hospital Sírio-Libanês, também em São Paulo, a média de idade dos que perderam a vida para a Covid é de 82 anos, de acordo com o médico Felipe Duarte Silva, gerente de pacientes internados e práticas médicas. Em 2022, houve cerca de 50 mortes num universo de 1.000 internações. Metade dos óbitos se concentrou nos meses de janeiro e fevereiro.
“Hoje, morre mais de Covid o paciente idoso e com comorbidades. Ele tem doenças de bases, que acabam descompensando pela Covid, a somatória agrava o estado de saúde e ele morre. A vacina é determinante na mortalidade, mas há pessoas com risco de desenvolver a forma grave da doença ou mesmo de descompensar as doenças de base”, explica Silva.
Outros dados, como os compilados pela plataforma SP Covid-19 Info Tracker com informações de cartórios de registro civil, ajudam a traçar o perfil de quem mais morre com a doença no país atualmente. Segundo a iniciativa criada por pesquisadores da USP e da Unesp, entre 1º de julho e 14 de setembro 9.161 pessoas faleceram por Covid-19 -4.810 homens (52,51%) e 4.351 mulheres.
A parcela mais expressiva das vítimas tinha entre 80 e 89 anos (28,95%). A segunda faixa etária com mais óbitos é a de 70 a 79 anos (23,57%), e as mortes de idosos com 90 anos ou mais representam 16,12%.
O coronavírus já vitimou mais de 685 mil brasileiros desde o início da pandemia. Somente em 2022, mais de 60 mil pessoas morreram no país pela enfermidade. O aposentado Laércio Basílio, 82, foi uma delas.
Ele a mulher, Elza de Oliveira Basílio, também com 82 anos, pegaram Covid-19 juntos. A doença apareceu como se fosse uma gripe forte. Ela melhorou, ele piorou e morreu dia 3 de julho, após repetidas idas ao hospital em São Paulo.
Defensor da vacina, Laércio havia tomado as quatro doses contra a Covid-19. Mas era cardiopata, tinha artéria obstruída e disfunção renal.
“Se não nos cuidarmos por nós, que seja pelas pessoas que não podem pegar Covid. Assim como ele, outros poderiam estar vivos se não fossem as que não se cuidaram”, diz Simone de Oliveira Basílio Pereira, 52, uma das filhas
Outra vítima do coronavírus neste ano, a pedagoga Maria Bernadete Sena, 57, não acreditava na vacina.
Desde o início da pandemia de Covid-19, ela tomava ivermectina semanalmente. Médicos alertaram muitas vezes que o antiparasitário não tem efeito comprovado contra o vírus e que seu uso –incentivado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL)– poderia trazer graves efeitos colaterais.
Bernadete e o marido não se vacinaram e se infectaram. Ele ficou bem. Quando Bernadete procurou ajuda médica, o vírus já havia comprometido o pulmão.
A pedagoga foi internada no dia 30 de janeiro e morreu em 26 de fevereiro. No período, esteve em dois hospitais, em Mauá e São Bernardo do Campo. “Minha irmã trabalhava com pessoas que eram contra a vacina, inclusive um médico, amigo dela, além do marido. Ela era uma pessoa esclarecida, com formação, mas foi influenciada. A família nunca entendeu o porquê”, diz a irmã Renata Sena Alves, 48.
Ieda de Araújo Camilo om os filhos Keite, Treicy (segunda à esq.) e Chrystian Arquivo pessoal Mãe e três filhos, sendo um homem e duas mulheres, estão reunidos em volta de uma mesa com bolo e enfeites de aniversário ** Ieda de Araújo Camilo, 58, é outra vítima que a Covid-19 fez neste ano –ela morreu em 24 de janeiro. A infecção foi descoberta em casa, quando teve alta do hospital onde tratava um câncer no cérebro. O coronavírus comprometeu 100% dos pulmões.
Agente comunitária de saúde havia mais de 20 anos, Ieda aproveitava o ofício para ajudar o próximo.
“Se não fosse o vírus, minha mãe ainda estaria conosco. Ela nos ensinou a correr atrás do que queremos, por mais difícil que seja. No último dia de vida, pediu que eu cuidasse dos meus irmãos e que ficássemos unidos. Em seguida, partiu”, afirma a filha Treicy Kelli Araújo Camilo, 33, que morava com a mãe em Butiá (RS).
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