‘Retórica de ódio’ de Bolsonaro vai da piada à aniquilação, diz professor

O professor de literatura comparada da UERJ João Cezar de Castro Rocha – Reprodução/Editora UFPE no YouTube

Angela Pinho / São Paulo, SP

Discutir se o presidente Jair Bolsonaro (PL) faz ou não discurso de ódio tira o foco de uma prática ainda mais grave do bolsonarismo, que é a “retórica do ódio”, diz o professor João Cezar de Castro Rocha.
Docente de literatura comparada da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), ele cunhou a expressão para descrever essa técnica discursiva que começa em tom de brincadeira até, afirma, passar a justificar episódios de violência contra opositores.
O enquadramento ou não de falas de Bolsonaro como discurso de ódio gerou controvérsia após a professora da FGV Clarissa Gross afirmar, em entrevista à Folha, que não via como classificar dessa forma a frase “fuzilar a petralhada” no contexto em que ela foi dita, ainda que considerasse a afirmação tosca e ignorante.
Para Rocha, centrar o debate na noção de discurso de ódio é um equívoco que dissipa energias, uma vez que não há uma definição legal consensual sobre o discurso de ódio —que, aliás, não está tipificado com esse nome na legislação brasileira.
“Se você diz que o Bolsonaro faz discurso de ódio, atrai os raivosos que acham que ele não faz, se você diz que Bolsonaro não pratica discurso de ódio, atrai os raivosos que acham que ele pratica”, diz Castro Rocha.
Autor de “Guerra Cultural e Retórica do Ódio” (editora Caminhos, 2021), ele afirma que o debate será mais frutífero se as energias se voltarem ao combate à retórica do ódio.
Segundo Castro Rocha, a técnica foi desenvolvida pelo escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, e disseminada por mais de 20 anos. “Ela tem um passo a passo e, portanto, pode ser ensinada”, diz o professor da UERJ.
Segundo ele, a retórica do ódio geralmente começa com uma afirmação em tom de ironia ou brincadeira. Nessa etapa, há uma descaracterização do nome próprio, substituído por um apelido que parece até infantil.
Como exemplos, ele cita o seu próprio sobrenome, Castro Rocha, já transformado por haters em Chato de Galocha, o apelido Mario Sergio Costela, usado para depreciar o educador Mario Sergio Cortella, ou Marco Antonio Vil, já utilizado para atacar o historiador Marco Antonio Villa.
O segundo passo da retórica do ódio seria a desqualificação. “Por exemplo, é quando me chamam de esquerdista, de professor universitário ‘paulofreireano'”, ilustra.
Em seguida, vem a desumanização, e aí já aparece no discurso um desejo de aniquilação, diz o professor. Para ilustrar esse passo, Castro Rocha volta ao seu exemplo: “o Olavo de Carvalho chegou a escrever que eu precisava ser eliminado do sistema intelectual do Brasil”.
É a desumanização do interlocutor que dá a senha para a violência, afirma o docente da UERJ, já que, se o seu opositor é um nada, é possível eliminá-lo.
Essa retórica, afirma o professor, interditou o espaço público e, embora seja uma arma eminentemente do campo bolsonarista, pode ser usada por outros campos políticos também —o que o professor avalia ser um erro.
Ele usa o exemplo da entrevista com a professora da FGV para ilustrar o que diz. “Discordo dela, acho que foi extremamente formalista, mas jamais vou desqualificá-la. Vou debater”, afirma. “O campo progressista precisa assumir o compromisso com a ética do diálogo.”
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